segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Crise dos Cereais

Por Dionério Hermínio Gilberto Uqueio[1]


A CRISE DOS CEREAIS E O FUTURO DOS GOVERNOS EM ÁFRICA[2]


Na literatura e debates o nosso Continente, África e as sociedades Africanas ainda são muito frequentemente tratadas como regiões homogéneas com características comuns: pobres, rurais, dualistas, com abundância de força de trabalho desqualificada e barata e de terra com condições agrícolas, em transição permanente entre os modos de produção, dominadas por estados patriarcais, etc., in “Castel Branco, (2008), Alternativas Africanas ao Desenvolvimento”.

Não é do meu interesse neste artigo apresentar um conjunto de ideias totalmente da minha autoria, aliás mesmo que o pretendesse fazer, as normas da academia inibem-me, pois indivíduos com uma elevada inflação de conhecimentos em metodologia de investigação em ciências sociais, apregoam que uma boa tese deve basear-se sempre num referencial teórico.
É neste contexto que de forma modesta proponho-me a tecer alguns comentários, primeiro sobre a crise dos cereais (arroz e milho) que afecta o mercado internacional e segundo sobre a futura instabilidade dos governos em África como resultado de toda esta conjuntura internacional que origina a fome e a crise dos cereais.

Em Economia Política fica clara a posição de David Ricardo (1772-1823), no que concerne a divisão internacional do trabalho. Para este economista Inglês cada país devia especializar-se em áreas onde tem maior domínio de produção, de modo a criar as suas vantagens comparativas no mercado internacional de bens e serviços. Ora na minha fraca maneira de ver o continente africano marginalizou o pensamento não só de Ricardo, bem como de tantos outros economistas, e especializou-se apenas na importação de bens e serviços provenientes dos países do Norte ( países desenvolvidos).
Um outro aspecto a, levantar é o que o economista Castel Branco apresenta-nos de uma África que serve como “cobaia” de modelos ignorantes e irresponsáveis de “pacificação”, “estabilização”, democratização”, “globalização”, e “desenvolvimento”, vindos do exterior, como forma de legitimar o poder desacreditado e debilitado de burguesias nacionais, frequentemente encostadas aos ombros do grande capital internacional a qual se dizem constituir a alternativa genuína e claro, africana.
Foi este aspecto que levou Moçambique por exemplo a privatizar a maior parte das suas empresas públicas, no âmbito do Programa de Reajustamento Estrutural (1987), algumas das quais da área agrícola, o que posteriormente veio levar essas empresas à falência, quiçá pela falta de um empresariado forte e capaz de gerir toda esta atmosfera do neoliberalismo económico, baseada numa abordagem do livre mercado, trazida pelos economistas neoliberais filiados ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (BM), quiçá também a má adequação das receitas de desenvolvimento importadas do ocidente e talvez devido a corrupção que tem vindo a caracterizar a maior parte dos dirigentes africanos ( tal é o caso de Mobutu no ex -Zaire).

Acredito que todos estes e outros aspectos acabam influenciando e condicionando todas as estratégias do desenvolvimento agrário, tornando os países africanos como meros importadores de mercadorias. Como superar isto?
De alguma forma acredito que todos estão a par do grande acontecimento que esta desgraçando a vida de vários cidadãos no mundo e em particular na Ásia, é o chamado “Tsunami silencioso”, caracterizado pela carência de cereais no mercado, aliás não é surpresa para ninguém ouvir dizer que na Guiné Bissau por exemplo já não há arroz no mercado, que na França uma fábrica de descasque de arroz fechou as portas, que na Ásia 1000 pessoas morreram de fome, que em Moçambique o saco de 50 quilogramas de arroz chega a atingir 1000 meticais (quando o salário mínimo ronda aos 1400 meticais) e o mais incrível que nos EUA, há limitações em termos de quantidade a ser adquirida de cereais no mercado, são exemplos claros para afirmar que estamos perante uma crise alimentar que talvez só terminará em 2015. Um outro aspecto é que enquanto a crise fustiga, persistem governantes africanos, que funcionam como caixas de ressonância do ocidente e reproduzem o discurso do plantio da JATROFA, em detrimento do milho e do arroz, esquecendo-se que a Tailândia (maior exportador de arroz no mundo), deixou de exportar arroz, estando de momento a cumprir apenas com os acordos já estabelecidos, os seguidores desta medida não tardaram e são o Paquistão, a China, o Brasil e a Índia. É este clima que o mundo vive, é por isso que exorto aos países do sul a encontrarem alternativas mais eficazes de resolver este assunto, redefinindo as suas estratégias de desenvolvimento agrário.
No caso de Moçambique seria recomendável criar condições para recuperar o regadio de Chokwé que segundo Castel Branco já foi o maior exportador do arroz, de maior qualidade e mais caro no mundo, como forma de reduzir as importações, que do momento estão ao nível de 90%, pois o país só produz apenas 10% do arroz que consome.

O segundo aspecto deste artigo é fundamentado na previsão realizada pelo representante do Banco Mundial em Moçambique, segundo a qual esta crise poderá pôr em perigo alguns governos em África. Na minha modesta forma de ver os exemplos mais nítidos são as manifestações de Maputo “o famoso 5 de Fevereiro”, as da Guiné Bissau e dos Camarões que constituem uma plataforma fundamental para análise deste fenómeno. Por outro lado a população não percebe que este é um problema de todo mundo e que as suas origens tem haver com a subida dos preços de petróleo (último recorde foi de 120 dólares por barril) no mercado internacional (no dia 1 de Maio de 2008), o receio às inundações no continente asiático que levam os agricultores a pararem com as suas actividades normais e o aumento da população no mundo que não foi proporcional aos níveis de produção. É a fome que põe em perigo alguns governos em África, pois a população atira toda culpa aos governos, a qual vê comprometido o seu voto de confiança, acusando a estes de corruptos, ladrões e ostentadores de carros de luxo. Na minha percepção este é um problema global em que todos são chamados a dar a sua contribuição para reverter a situação.

Finalmente questiona-se que desenvolvimento é esse que pretendemos atingir num continente cujos focos de produção não passam de produtos tradicionais (bio combustíveis, café, cacau, chá, algodão, etc.), recursos naturais e serviços isolados uns dos outros para dinâmicas de criação e desenvolvimento de capacidades e actividades articuladas, inovadoras e diversificadas?
[1] Bacharel em Administração Pública e estudante do 4º Ano do Curso de Licenciatura Administração Pública no ISRI, Estudou (sem ter concluído) o Curso de Licenciatura em Economia, na Faculdade de Economia da UEM. Contacto: 82 42 40 841, E -mail: dioukheio@yahoo.com.br!
[2] Este artigo é resultado de vários debates em mesa redonda, que tenho vindo a ter com vários colegas da Faculdade, a destacar: Luís Cumbe, Bruno Alexandre, Martinho Massimbe, Yasser Omar, Sousa de Sousa, Atanásio Khosa, Ermenegildo Xavier e Wiltone Levissone.

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